venerdì 21 settembre 2007

Do Macaco Nu (Desmond Morris)

ALIMENTAÇÃO

À primeira, vista, o comportamento alimentar do macaco pelado parece ser uma das suas atividades mais variadas, opor­tunistas e culturalmente influenciadas. No entanto, também aqui se verifica um certo número de princípios biológicos fun­damentais. Já analisamos pormenorizadamente como os pri­mitivos hábitos de apanhar e comer frutas se transformaram em caça às presas segundo moldes cooperativos. Vimos então as várias mudanças básicas introduzidas na rotina alimentar. A procura de comida passou a ser mais complicada e cuida­dosamente organizada. O instinto de matar a presa teve de se tornar parcialmente independente do instinto de comer. Começou-se a transportar os alimentos para uma habitação fixa, onde eram consumidos. Teve-se que dar maior atenção à preparação da comida. As refeições tornaram-se mais volu­mosas e mais intervaladas. A alimentação passou a incluir uma quantidade de carne muito mais elevada. Passou-se a arma­zenar e a repartir a comida. Os machos passaram a encarre­gar-se de obter alimentos para as respectivas unidades fami­liares. As atividades de defecação precisaram ser controladas e modificadas.

Todas essas transformações foram feitas no decurso de um longo espaço de tempo e é muito significativo que ainda as respeitemos fielmente, apesar dos grandes progressos tecno­lógicos dos últimos anos. Diria-se que não se trata de meras invenções culturais, visto que não se modificam segundo os caprichos da moda. A julgar pelo nosso comportamento atual, devem ter-se tornado, de alguma forma, características bio­lógicas muito enraizadas na nossa espécie.

Como já mencionamos, o aperfeiçoamento das técnicas de colheita de alimentos realizado através da agricultura moderna alijou a maioria dos machos adultos das nossas sociedades de qualquer função caçadora. Essa falta foi compensada pelo hábito de ir para o "trabalho". O trabalho substituiu a caça, mas conservou muitas das suas características fundamentais. Implica deslocação regular entre a habitação e o "local de caça". Trata-se essencialmente de uma atividade masculina, proporcionando oportunidade para interação entre machos e para atividades em grupo. Acarreta riscos e planificação estra­tégica. O pseudocaçador fala em "caçar os clientes", em fazer uma "incursão na bolsa" ou "uma campanha no interior". Torna-se implacável nos negócios. Chega mesmo a dizer que leva "o pão para casa".

Quando o pseudocaçador descansa, vai para "clubes" ex­clusivamente reservados a machos, onde as fêmeas não têm licença de entrar. Os machos mais novos têm tendência para formar bandos exclusivamente masculinos, muitas vezes de­dicados à "rapina". Em todos esses tipos de organização, desde as sociedades eruditas aos clubes sociais, às irmandades, aos sindicatos, aos grupos esportivos, às maçonarias, às sociedades secretas, aos bandos de adolescentes, se mantém um forte sentimento emocional de "união" masculina. Os membros de cada grupo estão ligados por uma fortíssima lealdade. Usam emblemas, uniformes e outros rótulos de identificação. Man­têm invariavelmente cerimônias de iniciação para os novos membros. Não se deve confundir a unissexualidade desses gru­pos com homossexualidade. Basicamente, os grupos não têm nada que ver com o sexo. Todos eles se preocupam sobretudo com a união entre machos que já existia nos primitivos grupos de caçadores cooperantes. O importante papel que esses grupos desempenham na vida dos machos adultos revela a persistên­cia dos instintos básicos ancestrais. Se assim não fosse, as atividades promovidas poderiam ser executadas sem segregação e sem rituais rígidos, e, inclusive, muitas delas caberiam na esfera das unidades familiares. As fêmeas ressentem-se muitas vezes quando os respectivos machos saem para se "encontrar com os amigos", chegando a reagir como se isso representasse deslealdade familiar. Mas fazem muito mal. Porque se trata apenas da versão moderna da tendência milenar da espécie para formar grupos de machos caçadores. Essa tendência do macaco pelado é tão básica como a tendência para ligações entre machos e fêmeas, e ambas evoluíram paralelamente. E persistirá, pelo menos até se dar uma nova mudança radical na nossa constituição genética.

Embora hoje o trabalho tenha em grande parte substituído a caça, não eliminou completamente as formas mais primitivas de expressão desse instinto básico. Mesmo quando não existem justificações de ordem econômica para se participar na perse­guição das presas animais, essa atividade mantém-se sob for­mas muito variadas. A caça às feras, a caça ao veado, a caça à raposa, as batidas, a falcoaria, a caça às rolas, a pesca, o tiro aos pombos, o. jogo das crianças, etc, são algumas das mani­festações contemporâneas do velho instinto caçador.

Tem-se dito que a verdadeira motivação dessas atividades modernas se relaciona mais com a derrota do rival do que com o abatimento da presa; que a criatura em fuga desesperada re­presenta, para cada um de nós, o membro da nossa própria es­pécie que mais odiamos e que gostaríamos muito de ver nesses mesmos apuros. É certo que há alguma verdade nessa hipótese, pelo menos para algumas pessoas. Mas, quando se encara o conjunto dessas atividades, é evidente que a explica­ção é muito incompleta. A essência da "caça esportiva" consiste em dar à presa uma razoável possibilidade de escapar. (Cabe perguntar se daríamos a mesma oportunidade à presa no caso de a encararmos como mero substituto do rival mais odiado.) Todo o desenrolar da caça esportiva implica um grau deliberado de ineficácia, uma desvantagem auto-imposta, da parte dos caçadores. Estes podiam muito bem utilizar metra­lhadoras, ou outras armas mais perfeitas, mas, nesse caso, fariam "trapaça" no jogo da caça. O mais importante de tudo é o desafio, e a recompensa depende sobretudo das dificulda­des de perseguição e das manobras engenhosas a que se tem de recorrer.

Um dos aspectos fundamentais da caça é o seu extraordi­nário caráter de jogo, pelo que não é nada surpreendente que o próprio jogo de azar, sob as inúmeras formas estilizadas atuais, tenha para nós tantos atrativos. Tal como a caça primi­tiva e a caça esportiva, o jogo é essencialmente uma atividade masculina, e rodeia-se de regras sociais e de ritos que se cumprem muito à risca.

Se examinarmos a nossa estrutura social, verificaremos que a caça esportiva e o jogo são mais praticados pelas classes superiores e inferiores do que pela classe média. Explica-se o fato muito bem se aceitamos que aquelas atividades expri­mem o nosso instinto básico de caçadores. Já disse que o trabalho passou a ser o principal substituto da caça primitiva, mas é preciso não esquecer que ele beneficia sobretudo a clas­se média. Em regra, a natureza do trabalho de um macho das classes inferiores não satisfaz convenientemente as exi­gências do seu instinto caçador. O trabalho é demasiadamente repetitivo e previsível. Faltam-lhe elementos de desafio, o acaso e o risco tão importantes para o macho caçador. Por esse mo­tivo, os machos das classes inferiores partilham com os machos das classes superiores (que não trabalham intensamente) uma maior necessidade de exprimir os instintos caçadores. Por outro lado, os machos da classe média têm um trabalho cuja natureza preenche muito melhor o papel de substituto da caça.

Deixemos a caça e abordemos o ato seguinte no processo geral da alimentação, isto é, o momento da matança. Esse elemento pode encontrar certa expressão nas atividades substi­tutivas do trabalho, da caça esportiva e do jogo. Na caça esportiva, o ato de matar ainda se mantém na sua forma ori­ginal, enquanto no trabalho e no jogo este ato é substituído por momentos de triunfo simbólico, desprovidos de violência física. Por conseguinte, a vontade de matar a presa está bastante mo­dificada na vida atual. Continua, no entanto, a manifestar-se com uma regularidade assustadora nas atividades brincalhonas (que não são tão brincalhonas assim) dos rapazes. No mundo dos adultos, a vontade de matar é culturalmente submetida a uma poderosa supressão.

Essa supressão deixa no entanto de se exercer (até certo ponto) em duas exceções clássicas. A primeira é a caça espor­tiva, como já mencionamos. A segunda é o espetáculo das touradas. Embora sejam abatidos diariamente nos matadouros muitos milhões de animais domésticos, esta matança faz-se sem a presença do público. Passa-se o contrário nas touradas, onde se reúnem grandes multidões que as assistem e participam por procuração dos atos de uma violenta matança da presa.

Dentro dos limites formais dos esportes sangrentos, essas atividades continuam a ser autorizadas, apesar de alguns protestos. Fora desses casos, são proibidas e castigadas todas as formas de crueldade contra animais. Isso nem sempre foi assim. Há alguns séculos, a tortura e a matança das "presas" (incluin­do uma grande variedade de espécies animais, com predomínio de macacos pelados) constituíam um divertimento público na Inglaterra e em muitos outros países. Reconheceu-se depois (não faz muito tempo) que a participação em tais manifesta­ções de violência é suscetível de embotar a sensibilidade dos in­divíduos em relação a todas as formas de derramamento de sangue. Constitui por isso uma fonte potencial de perigo para as nossas sociedades complexas e aglomeradas, onde as restri­ções territoriais e dominadoras podem atingir uma intensidade quase insuportável, a ponto de poderem explodir subitamente através de uma onda de agressão recalcada, com uma selvageria absolutamente anormal...... Continua

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